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Medicamentos Sintéticos e Fitoterápicos: Potencialidades de Equivalência

Créditos da foto: © Michael Selivanov | Dreamstime.com

O artigo a seguir foi publicado originalmente na Revista da Anvisa.

“Governos devem dar alta prioridade à utilização da medicina tradicional e a incorporação de medicamentos tradicionais comprovados, nas políticas nacionais de drogas e regulamentos”. Constituição da OMS – Ano 25 da Conferência Internacional de Alma-Ata, Kazaquistão, 1978.

A revolução da química aplicada à medicina com o isolamento da primeira substância de origem vegetal - morfina, originada da Papavea soniferum, Séc. XIX - estabeleceu novos parâmetros, interferindo de forma determinante no sistema da saúde, favorecendo o distanciamento entre os paradigmas pré e pós ciência e conseqüentemente a desvalorização dos recursos terapêuticos originados da biodiversidade, até então quase que exclusivamente única fonte de medicamentos.

Observa-se sob uma perspectiva histórica, que os povos que preservaram suas tradições e manifestações culturais, procurando associa-las as exigências contemporâneas, conseguiram potencializar os avanços da ciência sem corromper sua bases culturais. Ou seja, adaptaram-na para fortalecer e reiterar os laços sócio-culturais. Assim, o conhecimento sobre o potencial terapêutico dos produtos originados da biodiversidade local, aliado ao conhecimento científico, vem propiciando sua incorporação ao sistema oficial de saúde de vários países como a China, nesse aspecto, referencia para a Organização Mundial de Saúde (WHO 1991).

As plantas medicinais e conhecimentos tradicionais associados, têm importância fundamental para os laboratórios farmacêuticos transnacionais no desenvolvimento de novas drogas. Confirmando este interesse, apenas 90 espécies de uso tradicional foram suficientes para oferecer a humanidade 119 substâncias ativas (incluímos nesta lista a digitoxina, hiosciamina, pilocarpina, vinblastina e outras), destas 74% teve seu uso tradicional equivalente ao farmacológico, confirmando a importância estratégica da associação dos paradigmas empíricos e científicos.(Farnsworth, 1988).

Para a indústria da síntese, que tem mantido ao longo dos tempos, elevados níveis de lucro, o desenvolvimento de nova droga é investimento de alto risco, a probabilidade de aprovação junto aos órgãos reguladores internacionais para uma substância sintéticas é de 22.900:1, apesar dos investimentos, em tempo - 12 a 14 anos- ultrapassando US$ 50 milhões, dessa forma se apresentando desvantajosa se comparadas às originadas de plantas. Enquanto que um medicamento de origem vegetal, com base em informações tradicionais, é de 4:1 e tempo estimado em 5 a 7 anos e custo aproximado entre U$ 3 a 8 milhões. (Sharapin, 2000)

O Brasil destaca-se como o primeiro dentre os países megadiversos juntamente com o México, Colômbia, Zaire, Madagascar , Indonésia, China, Costa Rica, Equador, Quênia, Peru, África do Sul,Venezuela, Índia (Valle, 1994). Cerca de 50 mil espécies de plantas superiores - fonte de 25% dos fármacos - ocorrem no Brasil distribuídas em grandes biomas. O chamado “ouro verde” encontra-se disponível nos ecossistemas da Amazônia 25 a 30 mil / Mata Atlântica 16 mil / Cerrado 7 mil / as demais distribuídas na Caatinga e Pantanal. (Vieira, 2002).

Embora disponibilize a maior biodiversidade vegetal do planeta, sabe-se que a indústria farmacêutica instalada no Brasil importa aproximadamente 85% dos sais para produção de medicamentos, esta prática tem se reproduzido para os fitoterápicos com a importação de extratos de espécies exóticas, sem que a clientela SUS, tenha acesso a esses produtos.

Apresentando vantagens preventivas, terapêuticas e em efeitos colaterais, sobre os medicamentos sintéticos, os medicamentos fitoterápicos vêm se apropriando do mercado mundial diretamente proporcional as exigências do consumidor. No Brasil esta tendência tem inspirado tentativas de ação no âmbito do governo federal para inserção dos fitoterápicos na rede pública de saúde, entretanto abortadas: Projeto Flora-1982, CEME-1984, Res. CIPLAM 1986, etc.. A alternância político-administrativa constitui-se no cerne da descontinuidade destas iniciativas.

Vale destacar as iniciativas isoladas para aproveitamento dos recursos terapêuticos da flora brasileira, das Secretarias municipais e/ou estaduais de saúde e ainda por organizações civis dos movimentos populares no sentido de inserir a fitoterapia como uma ação regular no sistema de saúde. Diagnóstico realizado pelo Programa Estadual de Plantas Medicinais/PROPLAM/SES/RJ,como parte do processo de ajuste ás normas para a implementação dos Serviços de Fitoterapia (PROPLAM/SES/RJ, 2001) estabelecido para os municípios do Estado, identificou problemas impeditivos para que estas iniciativas, a exemplo de outras inspiradas no modelo das Farmáias-Vivas®, pudessem alterar significativamente, a política de medicamentos e assistência farmacêutica(Gallo,2001):

  • falta de apoio dos gestores municipais
  • falta de recursos orçamentários específicos
  • falta de capacitação e de subsídios técnicos e científicos
  • descrédito por parte dos médicos principalmente
  • qualidade dos medicamentos

Estes fatores expõem a necessidade de inserção desse segmento nas políticas de saúde de forma a dar visibilidade a importância estratégica desses medicamentos para a saúde pública no Brasil.

Caberia então, recuperar o objetivo do Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais/CEME, que reuniu informações sobre o uso tradicional de 74 espécies medicinais nativas/aclimatadas para desenvolver medicamentos e inseri-los na RENAME.

Estas ações demandam tempo para articulações e recursos, no entanto algumas iniciativas que dependem do MS para inserção da fitoterapia e medicamentos fitoterápicos no SUS podem ser empreendidas, a curto e médio prazo. Destacamos algumas sugestões:

• Levantar os medicamentos fitoterápicos com potencialidade para substituição dos medicamentos da RENAME;

• Definir as classes terapêuticas e respectivas espécies medicinais potenciais, de interesse estratégico para desenvolvimento, validação e inserção na RENAME

• Redirecionar as prioridades de financiamentos das agências oficias de fomento, em função dos interesses do SUS;

• Descentralizar a elaboração da Farmacopéia de Fitoterápicos;

Apresentamos no quadro abaixo algumas sugestões que poderiam com investimentos prioritários em pesquisa de espécies nativas, apresentarem potencialidade de equivalência terapêutica aos sintéticos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Uma lista de medicamentos adquiridos pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (SES/RJ), conforme o boletim de compras do Depto de Assistência Farmacêutica em 1999, para distribuição nas unidades de saúde, e que visa atender as patologias de maior demanda de patologias no estado foi usada como referência para a busca de plantas com potencial de uso nas unidades de saúde. Uma lista de plantas com suficiente informação para substituir totalmente ou parcialmente os medicamentos foi levantada usando os seguintes critérios:

• Plantas com suficiente evidência para utilização no problema considerado. Os níveis de evidência foram divididos em etnofarmcológico, farmacológico e clínico.

• Plantas da biodiversidade brasileria ou bem adaptadas aos nossos ecossistemas.

• Plantas que fácil cultivo e produção, domesticadas e com potencial de aproveitamento imediato

Para tanto foi consultada a literatura científics médica, farmacológica, botânica e química. As referência que validam a utilização da planta, assim como todas as outras informações pertinentes foram colocadas numa tabela demonstrativa de resultados.

RESULTADOS

Os resultados do levantamento estão expostos na Tabela I. Dos medicamentos avaliados, 21 fármacos, pertencentes a 14 classes farmacológicas diferentes possuem potencial de substituição imediata, total, ou parcial, por extratos de plantas medicinais com custo de produção inferior e tecnologia totalmente desenvolvida no Brasil. (Veja a tabela anexada)

Entre essas categorias temos os farmacos de maior demanda de compra no sistema de saúde como analgésicos, clamantes benzodiazepínicos e medicamentos usados no tratamento de gastrite e úlcera péptica. Não foram incluídos nessa tabela algumas categorias com grande potencial de substituição por plantas medicinais, e já com estudo avançado, como diabetes e hipertensão, porque os critérios de evidência clínica para patologias de maior gravidade não foi atingido por plantas disponíveis no Brasil.

CONCLUSÃO

Inversamente às outras áreas da saúde, o aproveitamento das potencialidades das plantas medicinais como recurso terapêutico e a Fitoterapia enquanto prática integrante do SUS se caracterizam até o momento, pelo insuficiente valor político nas diversas esferas governamentais. Embora as principais iniciativas estejam ancoradas no setor saúde, é senso comum que as plantas medicinais agregam valor social, ambiental, econômico, político e também estratégico para as presentes e futuras gerações.

Compete-nos percorrer - a partir do entendimento das experiências de paises economicamente desenvolvidos e do fato de possuirmos um rico imaginário popular ainda inexplorado - reconhecer e aproveitar a sabedoria ancestral que oferece nossa cultura no que se refere principalmente ao aproveitamento das plantas medicinais para desenvolvimento de medicamentos. Nesse sentido, é responsabilidade do Estado atuar como articulador entre a política de saúde e a necessidade de medicamentos, identificando estratégias que compensem a negligência histórica a que foi submetido este segmento.

O investimento em P&D de forma a explorar todas as possibilidades de parcerias público-privadas, incluindo subsidiando e/ou oferecendo incentivos fiscais aos laboratórios nacionais, no sentido da auto-suficiência tecnológica para que os medicamentos originados da nossa biodiversidade alcançar a categoria de medicamentos eficazes, seguros e acessíveis a todos os brasileiros e inseri-los no sentido inverso no mundo globalizado.

BIBLIOGRAFIA

WHO.Traditional medicine and modern health care-Progress report by Director-

General.Forty fourth world health assembly.22 March 1991.

FARNSWORTH, N. R.: 1988. Screening Plants for New Medicines. In: Biodiversity (E.

O. Wilson, ed.). Chapter 9. Washington, D. C.: National Academy Press.

SHARAPIN, N. et al.: Fundamentos de tecnologia de produtos fitoterápicos. Rio de

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VALLE,S.; Conferência no IV Encontro Brasileiro de Fitoterapia em Serviço

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VIEIRA.R.F. et al-Estratégia para conservação e manejo de recursos genéticos de

plantas medicinais e aromáticas: Resultado da 1ª Reunião Técnica- Brasília:

Embrapa/IBAMA/CNPq, 2002. 184p

QUEIROZ, S.; GONZÁLES, G. V.; Mudanças Recentes na Estrutura Produtiva da

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PROPLAM/SES/RJ. Resolução SES/RJ Nº1590 – Aprova Regulamento Técnico para a

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GALLO, E. Oficina de Planejamento Estratégico - “A Prática da Fitoterapia no

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